Real surreal: FOOH e a comoção nas redes sociais

A FOOH usa efeitos visuais para criar campanhas ultrarealistas. Mas, até que ponto podemos brincar com a imaginação das pessoas?

Claudia Bär
4 min readOct 3, 2023

Depois que um par de tênis gigante atravessou a Av. Paulista, e o Obelisco de Buenos Aires apareceu de camisinha na internet, discussões sobre ética e o uso da tecnologia foram retomadas.

Até que ponto podemos brincar com a imaginação das pessoas?

A publicidade fake out of home (FOOH), ou falsa ativação outdoor, que combina imagens reais com manipulação digital, está se tornando cada vez mais popular. Porém, isso não quer dizer que a audiência consegue distinguir ficção da realidade.

Como o engajamento destas campanhas só acontece depois que boa parte das pessoas acredita ser verdade, caberia então às marcas avisar previamente ao público que as imagens foram geradas por computador?

Imagem: Reprodução

Estes causos me fizeram lembrar da primeira vez que Nova Jersey foi atacada por alienígenas, e também de quando um trem invadiu uma sala de cinema na França.

Nessas duas ocasiões, o público foi surpreendido e “enganado” pelas tecnologias da época.

O tempo passou e hoje sabemos que o que acontece em um filme não é verdade, por mais que a narrativa, a atuação do elenco, os efeitos visuais e todas as peças que o compõe sejam convincentes.

Mas, por que não fazemos essa mesma distinção quando vemos propagandas FOOHs nas redes sociais?

Estamos deixando nosso senso crítico de lado?

Meu objetivo, com este artigo, não é encerrar o assunto, mas mostrar que o lúdico, o brincar com o imaginário, sempre esteve presente na indústria criativa — e nós utilizamos esse recurso justamente para comover as pessoas.

Comover: o mesmo que abalar, sacudir, emocionar, sensibilizar, tocar, acalorar, aquecer, despertar, provocar, instigar. Tudo o que a FOOH tem feito até agora.

A Maybeline criou rímeis gigantes para retorcar a maquiagem de metrôs e ônibus no Reino Unido. Mais um exemplo de FOOH. Imagem: Reprodução.

Nova Jersey atacada por alienígenas

No dia 30 de outubro de 1938, a rádio americana Columbia Broadcasting System interrompeu sua programação musical para transmitir uma notícia assustadora: o mundo estava sendo invadido por alienígenas.

A notícia, na verdade, era o começo de uma peça de radioteatro, genialmente adaptada do livro “A Guerra dos Mundos”, do escritor inglês Herbet George Wells, pelo então jovem e pouco conhecido ator e diretor Orson Welles.

A dramatização tinha todas as características do radiojornalismo da época: reportagens externas; entrevistas com testemunhas e autoridades, gritos, sons ambientes, efeitos sonoros… tudo para parecer que o evento estava de fato acontecendo — e ao vivo.

Segundo a CBS, o programa foi ouvido por mais de 6 milhões de pessoas e, pelo menos metade delas, sintonizou a rádio quando o programa já havia começado, perdendo a introdução que informava que a peça radioteatral havia começado.

O resultado disso?

Caos! Pessoas em pânico aglomerando nas ruas, fugindo, formando congestionamentos e sobrecarregando as linhas telefônicas.

Trem invade o cinema na França

43 anos antes, no dia 28 de dezembro de 1895, na França, os irmãos Lumière apresentaram o primeiro filme da história: “Chegada de um trem à estação da Ciotat”.

As imagens que hoje, para nós, não tem nada demais, para a platéia da época foram 60 segundos de pura adrenalina.

Como eles nunca tinham visto nada do tipo, muitos acreditaram que o trem era real e fugiram desesperadas para o fundo da sala de cinema, com medo de serem atropeladas.

Por que acreditamos ser verdade?

Existe uma explicação científica para toda essa confusão: nosso sistema límbico.

Ele é responsável pelos comportamentos instintivos, pelas emoções e pelos impulsos básicos, sempre em busca do prazer e evitando a dor.

Com o avanço da neuroimagem e da neurofisiologia, a ciência descobriu que o sistema límbico reage ao que é real e ao que é imaginário. Ou seja, ele responde a estímulos externos independente de serem verdadeiros ou fictícios.

É por isso que choramos, rimos ou nos assustamos quando vemos um filme, ou ficamos com raiva quando perdemos num jogo de vídeo game.

Nossa parte racional sabe que aquilo não é real, mas como o sistema límbico não faz essa distinção, ele reage de qualquer maneira.

O mesmo acontece quando vemos uma FOOH. É o nosso sistema límbico que responde com medo, nojo, raiva, surpresa, alegria ou tristeza.

Talvez, nesse momento, estamos deixando o racional um pouco de lado, e nos deixando levar somente pelas emoções.

Vemos o vídeo polêmico do Obelisco e não pensamos duas vezes antes de compartilhar. A sensação que a imagem nos causa fala mais alto, pede urgência.

Mas, será que a nossa reação seria diferente se essas produções viessem com um aviso?

O que mudaria se, antes de reagir, investigássemos a fonte?

Referências:

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Claudia Bär

Lending words to products to shape better human experiences. Currently working @ Saventic Care.